Quebra de mitos


Tenho observado com espanto e temor os acontecimentos das últimas semanas no Brasil. O País parece ter entrado em uma grande máquina do tempo para acordar em um passado que muitos queriam ver enterrado. Fantasmas e demônios que pensávamos exorcizados retornaram com mais força do que imaginávamos.


A partir daí, foram criados mitos, narrativas foram revistas e recontadas, heróis foram transformados em vilões e bandidos agora são os mocinhos do nosso tempo. Como sou nascido em uma família de tradição protestante, não resisto à tentação de quebrar qualquer ídolo ou mito com potencial para cegar nossa visão de presente e de passado.


Estamos às vésperas de uma grande eleição na qual poderemos nos manter em um estado democrático de direito ou voltarmos a uma ditadura. Um dos  pretextos para o retorno dos militares ao poder é a segurança. Segundo os apoiadores de uma intervenção militar no Brasil, na época da ditadura todos podiam sair às ruas com tranquilidade, sem ser incomodado por “vagabundo”.


Há dois problemas nessa afirmação. O primeiro é o fato de que as testemunhas dessa sensação de segurança entre os anos de chumbo também falam o mesmo do período democrático anterior. Em outras palavras, os anos de 1945 a 1964 também eram seguros.


O segundo fato é o da origem do crime organizado em nosso país. Os mais novos não devem se lembrar, mas na década de 1980, foi exibida pela Rede Globo uma série chamada Bandidos da Falange, que contava a história da primeira organização criminosa do Brasil, a Falange Vermelha. Para a surpresa dos intervencionistas, essa facção criminosa surgiu em 1969.


A Falange Vermelha não existe mais. No final da década de 1970 foi substituída pelo Comando Vermelho, ativo até os dias de hoje. Em outras palavras, a maior fonte de problemas de segurança surgiu nas barbas da ditadura militar.


Como toda ditadura, o regime militar colocou o aparato de segurança do Brasil para reprimir a oposição política e negligenciou a bomba relógio que se armava nos presídios e periferias das grandes cidades brasileiras.





Alguns pesquisadores afirmam que, ao colocar presos políticos em cadeias comuns, criminosos comuns aprenderam métodos de organização aplicados nas facções criminosas. Para muitos, porém, esse contato é insuficiente para explicar o fenômeno cujas raízes se encontram na brutalidade do sistema carcerário e na necessidade de interlocução com autoridades para os presos encaminharem suas reivindicações.


Independente da explicação, o fato é que a bomba-relógio armada no período militar explodiu no colo dos civis. Isso criou a falsa ideia de que a democracia facilita a criminalidade. Na verdade, o crime organizado foi mais uma das heranças malditas do regime militar, excessivamente preocupado com a oposição e negligente aos reais problemas do Brasil.





No que se refere à segurança é bom lembrar que durante o período militar foi o berço de serial killers históricos. Entre as décadas de 1960 e 1970 estavam em atividade o Bandido da Luz Vermelha, o Monstro do Morumbi, o Monstro de Rio Claro, Chico Picadinho e Pedrinho Matador.


Muitos podem me perguntar: então por que as pessoas se diziam seguras durante a ditadura? A explicação é simples. Os militares controlavam o que podia ou não ser publicado e não permitiam a divulgação de notícias desfavoráveis à imagem do país. Mais uma vez aos militares importava mais a política do que os problemas reais.

Deixo um lembrete aos defensores do retorno dos militares ou genéricos. A ditadura militar só jogou os problemas do Brasil para debaixo do tapete junto com os dissidentes políticos. Nunca houve busca de solução dos problemas do país naquele período. Ao optar pela volta desse tipo de regime a sua escolha vai implicar em acúmulo de mais sujeira. Já pensaram a tragédia que vai ser quando essa sujeira vier à tona novamente?

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