É carnaval!

Confesso que apesar de ser brasileiro, sofro de uma falta de paixão pelo carnaval. Não sei explicar, mas sempre que chega a época do carnaval o meu primeiro pensamento é de um longo período de descanso. Alguns poderiam atribuir tal sentimento à minha formação calvinista. Por ser de família presbiteriana, teria passado maior parte de minha vida em retiros de carnaval o que explicaria meu estranhamento diante das festividades momescas. O problema é que mesmo retirados a gente sempre dava um jeito de acompanhar os desfiles das escolas de samba do Rio. Nem que isso fosse por rádio.


Apesar de tal deslocamento em um dos momentos mais apoteóticos da cultura brasileira, confesso que o carnaval me fascina. Não só pela mobilização e pela excitação das pessoas nesta época do ano, mas me encanta o clima e a quase necessidade de tal festa. Parece que, depois do Natal e da virada do ano, o país inteiro começa uma preparação gradual e uma contagem regressiva para o reinado de Momo. A partir daí, as convenções sociais mudam e a busca por alegria é o que norteia as relações.

Dentre todos os momentos, no entanto, o que me chama mais atenção é o tradicional desfile de blocos. Diferente do que acontece com as Escolas de Samba, os blocos não tem samba-enredo, harmonia, evolução, nem nada dessas "formalidades" que caracterizam os desfiles na Marquês do Sapucaí ou no Sambão do Povo. Nos blocos cada um vai com a fantasia que quer e o resultado é um mosaico muito bonito e harmonioso. Parecido com o repertório que anima os desfiles dos blocos.

No último domingo, estava na casa dos meus pais quando começou um desfile de um bloco. As primeiras músicas que ouvi eram as tradicionais marchinhas de carnaval, mas, de repente, percebi uma mudança no estilo musical. Da cabeleira do Zezé, passou-se quase imediatamente para o Bolero de Ravel, daí para Beatles e outras tantas pouco esperadas nesta época. Parece que os dias do reinado de Momo encarnam o que os modernistas chamavam de antropofagia da cultura brasileira, que se alimenta de elementos de diversas culturas para formar algo único. O carnaval entra aí como um momento de digestão antropofágica, em que a mistura do caldo cultural brasileiro engrossa apesar de os puristas dizerem o contrário.

Talvez seja essa digestão antropofágica seja a causa do meu estranhamento. Afinal de contas, não é todo mundo que tem estômago para digerir um caldo tão forte em tão pouco tempo. Esse ano, vou deixar passar como descanso e ainda vou ver essa festa com uma pitada de estranhamento e outra de fascínio, mas quem sabe no ano que vem . . .

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