Viver sem sofrimentos

Apatia é uma destas muitas palavras que muito se emprega mas de significado pouco conhecido por que a usa. Sua origem, como a de muitas palavras das línguas ocidentais, é grega e lá no seu contexto de origem não significava simplesmente indiferença ou marasmo como pensamos hoje.

Na antiga Grécia a apatia era uma das mais altas virtudes entre os deuses e os homens. Significava ausência de sofrimentos. Esta crença levava os gregos a pensarem que a verdadeira felicidade só poderia ser alcançada pelo abandono de suas paixões, desejos e do amor. Só assim a vida seria ausente de sofrimentos, apática.

Hoje em dia muitas situações nos levam a uma atitude muito semelhante ao dos gregos. Nas eleições de diversos países do mundo o que tem se visto é o abandono do debate ideológico e a predominância do questionamento sobre a capacidade de governo de determinado candidato como aconteceu nas últimas eleições. Na maior democracia do mundo, por exemplo, diz-se que a diferença entre os republicanos e democratas é a mesma que marca a divergência entre a Pepsi e a Coca.

Parece que as máquinas responsáveis pela derrubada do muro de Berlim colocaram abaixo não só um regime opressor e tirano. Junto com aquele paredão foi também abaixo uma alternativa ao capitalismo ocidental, uma utopia de ambas as partes. Logo após a derrubada do muro de Berlim a Alemanha se viu dividida novamente por uma outra barreira a do preconceito dos alemães ocidentais que consideravam os seus compatriotas orientais preguiçosos e estúpidos e estes manifestaram sua desilusão com o sistema capitalista e democrático e suas promessas de uma vida melhor, o que não aconteceu no ritmo aguardo pelos cidadãos da República Democrática da Alemanha.



O predomínio do discurso ocidental acabou com o fim da ameaça atômica, mas levou as pessoas a uma apatia pela falta de alternativas concretas ao absolutismo neo-liberal incapaz de apresentar soluções viáveis aos problemas atuais da humanidade, como a crescente diferença entre ricos e pobres, a fome, e as epidêmias que se espalham nas nações mais pobres do planeta.

Não é por acaso que o Islamismo é a religião que mais cresce no mundo. Atualmente é a única a oferecer uma resistência notória ao inquestionável neo-liberalismo. Também não é à toa que se nota o crescimento explosivo do pentecostalismo e de movimentos carismáticos na América Latina que critica a dura realidade ao oferecer um Jardim do Éden após a morte. Busca-se a todo custo o sucesso profissional e financeiro como formas de distanciamento dos problemas mundanos e dos sofrimentos causados pela realidade.

As ONG têm desempenhado um papel importante na construção de uma nova utopia. O único problema é que as mesmas não têm sido bem sucedidas em unificar as suas visões. Preocupadas em concentrar seus esforços em áreas específicas, essas organizações só estão de acordo em um ponto: dizer não ao atual modelo de globalização.

A guerra fria pode ter acabado, mas o fim desta etapa histórica não pode significar o fim da capacidade humana de sonhar e imaginar novas soluções aos desafios propostos pela realidade. Se antes todos ficavam tremendo de medo por causa da possiblidade de uma hecatombe nuclear, hoje o que devemos temer é a busca pela apatia que pode até nos afastar dos sofrimentos terrenos mas junto vai levar a nossa vontade de viver e de buscar novas formas de vida.



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