O Novo Feudalismo

É interessante como os grandes artistas tem a capacidade de transmitir o momento pelo qual sua geração atravessa. Isto não foi diferente com Cazuza, autor de letras de tantas músicas, algumas bastante controversas. Quem não cantou os versos “Brasil mostra a sua cara…” como se fosse o seu próprio clamor por um país melhor e mais justo para todos?

A única música com a sua assinatura que talvez não justifique a afirmação acima poderia ser uma em que ouvimos Cazuza falando da volta da Idade Média. O que será que ele realmente quis dizer com este retorno à era medieval? Obviamente não se tratava de uma propaganda sobre uma máquina do tempo na qual poderíamos visitar personagens como Joana D’arc, Ricardo Coração de Leão, Rei Artur e outros.

Talvez seja impossível para nós conhecer as reais intenções de Cazuza quando ele escreveu essas linhas sobre a volta da idade média, mas em muitos aspectos podemos ver que isto realmente está acontecendo principalmente no que se refere ao feudalismo.



Muitos historiadores vão dizer - com razão - que o feudalismo não foi um sistema único e o que estudamos nas escolas abrange apenas aspectos gerais do feudalismo francês. Isto é verdade, mas podemos com certeza ver sinais de uma mudança política e econômica que parecem indicar uma volta a este sistema que dominou a europa por mais de mil anos. Se nos lembrarmos das nossas lições de história veremos que as principais características daquele tempo eram a fraqueza dos Estados Nacionais e a dominância política dos suseranos sobre os seus vassalos. Isto funcionava como uma espécie de sistema de trocas baseado em uma hierarquia, na qual havia o Rei de uma nação, o Suserano dos suseranos, que protegia e se beneficiava do poder dos nobres proprietários de terra, os feudos, os quais eram governados de acordo com a vontade do Senhor Feudal, o nobre proprietário da terra.

Assim ao menor sinal de problemas ou revolta dentro do Feudo, o Senhor Feudal poderia invocar a proteção do exército real para acabar com a rebeldia dos seus vassalos e servos e quando o Rei se sentia ameaçado por um inimigo externo era só clamar a ajuda da nobreza que a mesma prontamente enviava seus guerreiros para engrossar as tropas reais. É claro que isto é um resumo bem tosco sobre como funcionava o feudalismo, mas já serve para dar uma idéia de como era o seu funcionamento.

Alguns aspectos deste sistema podem ser visto no atual modelo de globalização econômica em vigor. Há um visível enfraquecimento dos Estados-Nações o que proporciona uma excelente oportunidade para as mega-empresas de começarem a se impor como agentes políticos mais importantes. Com um patrimônio gigantesco e maiores do que o PIB de muitas nações do mundo, estas corporações buscam alianças com governos para que ambos possam se beneficiar.

Como na idade média, os governos de vários países buscam estabelecer políticas que beneficiem a entrada de capital externo e de grandes corporações e assim se legitimam como donos do poder em suas respectivas nações.

Vivemos o retorno dos Reis e da nobreza agora com outros rótulos. O que não se sabe ainda é como isto vai afetar organismos multi-laterais como a ONU e a OMC e instituições como o FMI e o Banco Mundial, fundados sob a lógica do Estado-Nação soberano. Quem vai ser o Suserano dos suseranos neste mundo globalizado? Este papel, atribuído aos reis medievais, vai ser exercido pelos Estados nacionais ou pelas grandes corporações?

Em sua música, Cazuza se perguntava se ele era medieval. Talvez, após esta breve análise do momento atual, pode-se dizer que é provável que não só ele mas todo o mundo seja um pouco mais medieval hoje em dia.

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